80's Bits XXX

Neste mês: o herói da fita vermelha que só queria que o deixassem em paz; uma série da qual peço que ouçam com cuidado porque só vou dizer isto uma vez; uns senhores ao quadrado de asas partidas e uma nave que desata aos tiros.

Filme: ‘A Fúria do Herói’First Blood (1982)

Quando o chefe da polícia de Hope, no estado de Washington, decidiu, sem razão aparente, deter um vagabundo que pedia boleia, estava longe de imaginar que esta situação poderia desencadear uma série de catastróficos acontecimentos. O vagabundo em questão é John Rambo (Sylvester Stallone), Medalha de Honra do Congresso e um herói da guerra do Vietname. Respondendo à rudeza dos seus captores com uma súbita ferocidade, Rambo foge da pequena prisão da cidade, rouba uma mota e refugia-se numas montanhas próximas. Quando a caça ao homem começa, Rambo está no seu ambiente natural e prepara-se para uma guerra solitária.

Quando o romancista canadiano David Morrell publicou a sua obra ‘First Blood’ em 1972, a Columbia Pictures imediatamente assegurou os direitos para um futuro filme. Com a Guerra do Vietname ainda a decorrer, o projecto foi passando por várias mãos até que chegou à propriedade dos distribuidores Mario Kassar e Andrew G. Vajna, que planeavam lançar a longa-metragem através da sua produtora Carolco Pictures. Sylvester Stallone foi o escolhido para interpretar John Rambo e soube valer-se da sua condição de estrela (após o sucesso dos dois primeiros filmes da saga ‘Rocky’) para exigir alterações ao guião, tornando a sua personagem mais compassiva em relação à original do livro de Morrell. Para realizar o filme, o produtor Buzz Feitshans elegeu o cineasta canadiano de origem búlgara Ted Kotcheff.

Lançado em 1982, ‘A Fúria do Herói’ recebeu críticas iniciais mistas mas o filme foi um sucesso de bilheteira nos Estados Unidos e um pouco por todo o mundo. Em 1985 tornou-se o primeiro blockbuster de Hollywood a ser lançado na China, detendo o recorde de maior número de ingressos vendidos para um filme americano até 2018. Desde o seu lançamento, a longa-metragem de Kotcheff foi reavaliada pela crítica, com muitos destacando as actuações de Stallone, Brian Dennehy e Richard Crenna (estes últimos nos papéis do xerife Will Teasle e do coronel Sam Trautman, respectivamente) e reconhecendo-o como um filme influente no género de acção. O seu sucesso gerou uma franquia, composta por quatro sequelas (co-escritas por Stallone), uma série de desenhos animados, livros de banda-desenhada, romances e vários videojogos.

A personagem Rambo tornou-se maior que o próprio filme original, uma vez que a longa-metragem é mais facilmente identificada pelo seu nome ou por “Rambo I” em comparação aos outros títulos da saga. Também no léxico informal a palavra serve muitas vezes para caracterizar alguém que avança para uma situação “contra tudo e contra todos”, geralmente de forma pouco reflectida. O termo está mais ligado à prestação da personagem de Stallone nas duas primeiras sequelas, em que Rambo se assume como uma máquina de matar, e não tanto ao original onde este apenas tenta sobreviver. E é neste ponto que prefiro o primeiro filme a qualquer um dos outros, apesar de não ter sido o primeiro que vi. ‘Rambo III’ (1988) passava frequentemente na televisão, ao passo que ‘Rambo II - A Vingança do Herói’ (1985) era raro ser transmitido, mas o meu primeiro contacto com o guerrilheiro da fita vermelha foi mesmo através de uma cassete de desenhos animados que o meu primo tinha. Rambo, o herói da pequenada?!

Série: ‘Alô, Alô’ – 'Allo 'Allo! (1982-1992)

René Artois (Gordon Kaye) é o pacato dono de um café na pequena vila francesa de Nouvion e um membro relutante da célula local da Resistência Francesa em plena Segunda Guerra Mundial. Devido à ocupação da vila pelas forças alemãs, lideradas pelo ditatorial major-general Erich von Klinkerhoffen (Hilary Minster), René encontra-se dividido por lidar com quatro problemas: o esquema e as conspirações do comandante corrupto da cidade, o coronel Kurt von Strohm (Richard Marner); os planos de sabotagem da líder da Resistência, Michelle Dubois (Kirsten Cooke); os esforços do agente da Gestapo, Herr Otto Flick (Richard Gibson), para encontrar uma pintura roubada e desmascarar membros da Resistência; e os casos de amor com as suas empregadas, especialmente Yvette Carte-Blanche (Vicki Michelle), cada um dos quais ele deve esconder da sua esposa Edith Artois (Carmen Silvera).

Criada por David Croft e Jeremy Lloyd, ‘Alô, Alô’ é uma sitcom britânica que estreou no canal BBC1 em Dezembro de 1982. Após o sucesso do seu episódio-piloto, a série recebeu luz verde para uma primeira temporada de sete episódios em 1984 e continuaria no ar até 1992 com a conclusão da nona época. Ao todo, foram 85 episódios de uma sitcom que Croft e Lloyd idealizaram não com o objectivo de parodiar a guerra mas sim as séries baseadas nesta, em particular ‘Secret Army’ (1977-1979), uma produção dramática anglo-belga que mostrava as actividades dos membros da resistência num café em Bruxelas. Para além das nove temporadas, a BBC ainda emitiu uma compilação de “melhores momentos” intercalados com novas cenas entre René e Edith em 1994 e, em 2007, foi para o ar ‘The Return of 'Allo 'Allo!’ um episódio especial em que o velho René escreve as suas memórias e várias personagens voltam a interagir vários anos após o fim da guerra.

À semelhança de outras comédias anteriores criadas por Croft e Lloyd, como por exemplo ‘Are You Being Served?’ (1972-1985) a série empregou elementos notáveis como bordões memoráveis ​​(as chamadas catchphrases), clichês culturais, humor físico e piadas visuais. No entanto, ‘Alô, Alô’ distinguiu-se da maioria das sitcoms por apresentar enredos abrangentes em vez de simples histórias independentes, bem como o dispositivo de ter todo o elenco a falar inglês mas com sotaques estrangeiros exageradamente teatrais para distinguir a nacionalidade de cada personagem. René começaria cada episódio quebrando a “quarta parede” e dirigindo-se aos telespectadores com um pequeno resumo do que havia acontecido na última emissão de modo a fazer um ponto de situação.

Considerado um sucesso internacional, ‘Alô, Alô’ estreou em Portugal somente em 1986 mas o êxito não foi menor. Recordo-me das gargalhadas do meu pai e especialmente dos meus irmãos mais velhos enquanto viam a série e isso atraiu-me para começar a ver também desde criança. Naquela altura não compreendia o contexto da paródia de guerra e algumas das piadas entre as personagens mas a essência da comédia de situação permitia-me rir do que acontecia no ecrã. Com o passar dos anos, o meu gosto por ‘Alô, Alô’ aumentou ainda mais e cheguei a ir ver em 2016 com o meu irmão do meio ao Teatro da Trindade uma peça portuguesa baseada no original. Ainda hoje, se por acaso me deparo com uma reposição da série na RTP Memória, não resisto a rever um pouco.

Música: ‘Broken Wings’ – Mr. Mister (1985)

Os Mr. Mister foram uma banda norte-americana de pop rock que esteve no activo de 1982 a 1990. Constituído por Richard Page (voz e baixo), Steve George (teclados), Steve Farris (guitarra) e Pat Mastelotto (bateria), todos com experiência como músicos de estúdio, o grupo foi fundado em Phoenix, no estado do Arizona. Os amigos de infância Page e George já haviam integrado outra banda antes, intitulada Pages, que não teve sucesso mas desta vez conseguiram reunir o talento musical suficiente para que a RCA Records, uma subsidiária da Sony Music, se mostrasse interessada em financiar o seu álbum de estreia. Lançado em 1984, 'I Wear the Face' apenas produziu o single 'Hunters of the Night' e foi um êxito moderado mas levou a que o vocalista recebesse convites para substituir Bobby Kimball nos Toto e Peter Cetera nos Chicago. Page recusou ambas as ofertas por acreditar que a sua própria banda haveria de alcançar o sucesso e o seu desiderato chegaria imediatamente no ano seguinte.

O mundo da música deu verdadeiramente as boas-vindas aos Mr. Mister em 1985 após o lançamento de 'Welcome to the Real World', o segundo álbum do quarteto. As canções 'Broken Wings' e 'Kyrie' ambas chegaram ao lugar cimeiro da 'Billboard Hot 100' e o terceiro single 'Is It Love' alcançou o oitavo lugar da mesma tabela. O álbum em si, constituído por 10 canções escritas maioritariamente por Steve George, Richard Page e o seu primo John Lang, também logrou atingir o topo da concorrida 'Billboard 200'. 'Broken Wings' é indiscutivelmente a música mais emblemática dos Mr. Mister, com a sua letra inspirada na obra homónima do filósofo Kahlil Gibran e com um som que apresenta uma mistura de sintetizador, guitarra com efeito de atraso, baixo e bateria. O sucesso da balada poderia "condenar" a banda a ser vista como uma one-hit wonder mas o single seguinte 'Kyrie' alterou essa ideia pois gozaria de semelhante êxito, reinando por duas semanas no topo das tabelas nos Estados Unidos e também em outros países como o Canadá ou a Noruega.

A popularidade dos Mr. Mister seria consolidada com diversas aparições em concertos beneficentes, alta rotatividade dos seus videoclipes na MTV e uma bem-sucedida digressão de divulgação de 'Welcome to the Real World'. Já o terceiro álbum, intitulado 'Go On...', chegou em Setembro de 1987 e, apesar de ter gerado quatro singles no seu país natal, começou a sugerir o início do declínio da banda. As vendas foram modestas e o guitarrista Steve Farris saiu do grupo no ano seguinte. O trio restante ainda gravou entre 1989 e 1990 um quarto álbum, de seu nome 'Pull', mas a RCA, receando o seu tom mais introspectivo e acústico, recusou distribuir o disco. A nega da editora levou ao fim dos Mr. Mister e a os quatro membros originais só voltariam a tocar juntos em 2023, por ocasião do 70º aniversário do vocalista Page, interpretando a emblemática 'Broken Wings' após mais de 34 anos sem actuações em conjunto.

Nunca tivemos qualquer álbum dos Mr. Mister lá por casa e não conheço ninguém que comprasse algum mas o sucesso dos singles 'Kyrie' e, principalmente 'Broken Wings' foi tremendo. O teledisco deste fazia parte de uma das cassetes VHS que utilizávamos para gravar videoclipes que passavam nos programas de música da televisão e a canção é uma das minhas favoritas da década de 80 para ouvir e cantar. Depois da dissolução dos Mr. Mister em 1990, Richard Page encetou uma carreira a solo, com quatro álbuns de originais lançados e colaborações vocais com uma variedade de artistas tais como Cher, Tupac Shakur ou os Whitesnake.

Videojogo: ‘Cybernoid: The Fighting Machine’ (1988)

Neste jogo de tiros distribuído pela Hewson Consultants, os piratas invadiram os depósitos da Federação e roubaram minerais, jóias, munições e o mais recente armamento de batalha. A nave Cybernoid foi despachada com instruções para recuperar o saque roubado e devolvê-lo ao armazenamento dentro de um prazo especificado. O jogador deve pilotar a sua Cybernoid através de vários níveis, destruindo naves piratas e os seus sistemas de defesa planetária para recuperar o espólio roubado.

A Hewson Consultants foi uma das pequenas empresas de software que produziu jogos para computadores domésticos em meados da década de 1980. A empresa tinha uma reputação de jogos de alta qualidade que continuamente ultrapassavam os limites daquilo que os computadores eram capazes. A empresa foi fundada por Andrew Hewson no início dos anos 1980 quando Hewson começou a interessar-se por computadores enquanto trabalhava no Museu Britânico. Depois de aprender a programar, Andrew escreveu o guia de programação ‘Hints and Tips for the ZX80’. Após a publicação, os programadores amadores começaram a enviar a Andrew os jogos que haviam programado em cassete, dando a Andrew a ideia de publicar os jogos. Assim começou a ligação com o jovem programador britânico Raffaele Cecco, que daria origem a vários videojogos, incluindo este ‘Cybernoid: The Fighting Machine’.

‘Cybernoid’ é dividido em três níveis, com cada um destes consistindo em vários ecrãs que são percorridos por meio de um sistema de jogo de tela giratório. Os perigos em cada ecrã podem ser diferentes - alguns terão apenas naves piratas inimigas, outros mísseis teleguiados, algumas torres de armas, outros inimigos indestrutíveis em caminhos fixos que têm de ser atravessados ​​e alguns uma mistura destes. A nave Cybernoid pode colectar power-ups de assistência (incluindo um canhão traseiro e uma esfera gigante com espinhos que voa ao redor da nave) e também usar uma variedade de armas especiais integradas, como escudos e mísseis teleguiados. Disparar sobre naves piratas geralmente deixa power-ups ou jóias que Cybernoid pode recolher.

‘Cybernoid: The Fighting Machine’ foi um dos primeiros jogos que joguei e tive para o ZX Spectrum, cortesia de um amigo e colega de turma que tinha uma gaveta enorme cheia de cassetes desta máquina. À semelhança de outros títulos desenvolvidos por Cecco e distribuídos pela Hewson, como são os casos de ‘Exolon’ (1987) ou ‘Stormlord’ (1989), ‘Cybernoid’ apresenta gráficos bem definidos e muito coloridos, boa jogabilidade, música agradável (até se tornar demasiado repetitiva) e efeitos sonoros adequados. A sequela ‘Cybernoid II: The Revenge’ chegou, de forma pouco usual, no mesmo ano mas tratou-se mais de uma expansão do original do que um propriamente um novo jogo.